Quando eu tenho um amigo?
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Há cerca de quinze dias, falei em outro post sobre três bases da amizade, e disse que a mais sólida era a amizade como “querer o bem do outro em si mesmo” (eunoia). Se, a partir dele, você começou a refletir sobre as suas amizades, e sobre como você pode estar mais próximo das pessoas, “querendo-as em si mesmas”, então cumpri meu objetivo. Hoje, gostaria de aprofundar ainda mais na reflexão feita por Aristóteles, destacando o que ele diz ao se perguntar o que é um amigo, para que então possamos refletir sobre quando é que temos um amigo de verdade.

Isso porque querer o bem do amigo é uma característica que pode ser “dividida”. No capítulo IX,4, de sua Ética a Nicômaco, o filósofo traz outras características:

  1. desejar e fazer o bem com vistas ao outro;
  2. desejar que o outro exista;
  3. passar o tempo juntos, escolher as mesmas coisas;
  4. experimentar com o amigo dor e prazer.

Existe uma longa discussão sobre como estes pontos se relacionam com o mais geral (eunoia), mas o importante é perceber que, de modo direto ou indireto, estas atitudes mais concretas são um desejo do bem do outro. Qual amizade consegue sobreviver à total ausência de empatia? Qual amigo suporta não poder compartilhar a sua vida com o outro? E como não lhe desejar outra coisa senão que viva? Não só que viva, mas que viva bem, e que se necessário nos empenhemos para que isso ocorra? Esses pontos nos ajudam ainda mais a refletir sobre como temos agido com os nossos amigos. Sei que no mundo da internet o importante é correr logo a página e terminar de ler o texto. Mas recomendo seriamente a você, leitor, que pause um instante e medite em seu coração sobre todos esses pontos. Não é à toa que eles percorrem as gerações.

Mas, para ter um amigo, não basta fazer algo, ou agir de acordo: é preciso a reciprocidade. Parece bobo ter que evidenciar isto, mas é muito importante percebermos que não apenas devemos agir com o nosso amigo querendo-lhe o bem, como também o nosso amigo deve agir da mesma forma, querendo o nosso bem. Desse modo, os dois acabam crescendo um com o outro e ganhando muito com a amizade mútua. Mas não apenas isso: é preciso que ambos saibam que isso ocorre, pois “como poderia alguém chamar de amigo quando não sabe da atitude de um para com o outro?” (1156a).

A questão da reciprocidade nem sempre é bem compreendida: por vezes parece um retrocesso à ideia de “querer o bem do outro por si mesmo”, porque junto desse bem do outro vem o nosso próprio bem, já que o outro também nos quer bem por nós mesmos. Dedicaremos mais atenção ao assunto no próximo post sobre o tema da amizade, mas desde já, gostaríamos de defender a ideia de que a reciprocidade da amizade é fundamental para compreendê-la (e aqui percorro caminhos diferentes, mas não opostos, aos de Aristóteles) como dom. Não basta compreender que eu devo me esforçar para levar minhas amizades a sério, pois nesse caso elas seriam obras inteiramente minhas; é preciso descobrir a gratuidade do amor e da dedicação do próximo. Que tal ligar para o seu amigo agora mesmo e dizer para ele o quanto o ama?

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