Aristóteles e as três bases da Amizade
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É muito comum que, ao olharmos para a história de nossas vidas, descubramos uma amizade que “passou”. Seja porque nos mudamos de cidade, emprego, etc; porque os interesses de ambos tomaram caminhos diferentes ou por quaisquer outros motivos, não é difícil nos lembrarmos de pessoas que, durante um tempo, estavam ali e amávamos profundamente, mas que hoje não estão mais presentes em nossas vidas. É possível que, nesse momento, olhemos para trás e nos perguntemos se aquilo realmente foi amizade. Talvez descubramos que, nestas mudanças de rumo, no fundo havia mais um coleguismo do que propriamente um sentimento mais profundo. Essa é uma experiência trágica, mas que nos possibilita agir diferente com nossas amizades.

Para Aristóteles, existem três bases que fundamentam nossas amizades: o bem, o agradável (prazeroso) e o útil. Dessas três bases nascem diferentes relações de amizade. Enquanto o bem é uma base sólida para a amizade (já falaremos mais sobre o assunto), o agradável e o útil não são boas estruturas, porque mudam facilmente. Nas palavras do filósofo, “Aqueles amigos cuja afeição depende da utilidade não amam um ao outro em si mesmos, mas tendo em vista algum benefício para ambos. De modo similar ocorre com aqueles que baseiam sua amizade no agradável (prazeroso)” (1156 a).

Pode ser que um amigo seja muito útil para mim durante anos, e também eu o seja para ele; dessa forma, manteremos o contato e a amizade. No entanto, como o que é útil ou agradável para as pessoas pode variar com o tempo (para alguém que já está formado, um amigo que ajude a preparar-se para as provas da faculdade já não é mais tão útil; para alguém que já não vai mais no boteco, um amigo para beber não é mais tão agradável…), essa amizade acaba tão logo acaba o prazer ou a utilidade. Quando pensamos nesses dois tipos de amizade, logo pensamos que se trata de uma amizade baseada no próprio interesse, totalmente utilitária: como se uma pessoa (por exemplo o Joãozinho) se aproximasse de outra (por exemplo a Joana) apenas para solucionar os próprios interesses (do Joãozinho). Mas esse não é o caso. Como bem assinala a filósofa Ursula Wolff, é provável que Aristóteles tivesse em mente um caso em que Joãozinho fosse amigo de Joana pensando na utilidade da própria Joana. Mesmo assim, como esta amizade não está baseada na Joana mesma, mas no interesse para a Joana, ela não se atém àquilo que é essencial.

O nível mais profundo da amizade é, portanto, o bem. Neste caso, o Joãozinho não seria amigo da Joana porque pode ser útil ou agradável, mas porque a Joana é um bem em si mesma. Não se trata de olhar para uma parte da Joana, mas para ela inteira, naquilo que já foi, é e será. Neste caso, a pessoa gosta do amigo e deseja-lhe o bem por causa daquilo que o amigo é ou por causa do bem. Uma proposta radicalmente diferente, não? Uma amizade pautada pelo bem do outro enquanto outro, no próprio bem, não fracassa nunca. Isso porque o bem é permanente. Contudo, essa base da amizade não despreza as outras: é claro que um amigo continua sendo útil e agradável – seria até irracional pensarmos num amigo que não nos deixa alegres, por exemplo. Mas a questão é que o fundamento não está ali.

O próprio filósofo diz que encontrar este tipo de amizade é mais raro. Mas creio que vale a pena lutar por uma relação assim. A vantagem que temos é que a amizade é uma virtude (areté), e por isso pode ser exercitada e melhorada. Cabe a nós cumprir a nossa parte.

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