“Os filhos não pertencem aos pais”: por que o STJ negou o direito ao homeschooling em 2002?
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Em abril de 2002 o Superior Tribunal de Justiça – STJ julgou o mandado de segurança contra uma decisão do Conselho Nacional de Educação que havia negado o direto de uma família goiana educar seus filhos sem a frequência escolar. Naquele processo a Sub-procuradoria Geral da República emitiu parecer favorável à família.

Durante o julgamento votaram oito ministros, sendo que o relator apresentou voto contrário ao direito da família, alegando inconstitucionalidade e ausência de previsão legal, dentre outros argumentos,  definindo a frequência escolar como a única possibilidade de educação naquele momento, no que foi seguido por mais cinco ministros.

Havia prova nos autos de que as crianças mesmo sem nunca terem frequentado a escola,  estavam ao menos um ano à frente no aprendizado em relação aos demais alunos de um conceituado colégio particular. Além disso era evidente que os pais possuíam amplas condições sociais de prover toda e qualquer instrução necessária.

Ao invés de assegurar o direito à família, a maioria dos ministros decidiu que toda e qualquer educação deveria ocorrer unicamente através da frequência aos bancos escolares, citando e enaltecendo a figura heroica de professores que atuavam com baixas condições de trabalho e de alunos que percorriam grandes distâncias em frágeis canoas pelos igarapés amazonenses para frequentar a escola, como se estes fatos lamentáveis justificassem a negação do direito de pais dedicados e capazes propiciarem resultados tão bons aos seus filhos, quanto os atingidos pelos alunos de um colégio particular.

Mas talvez o argumento mais difícil de digerir na negativa dos ministros foi o de que os filhos não pertencem aos pais. “Os filhos não são dos pais, como pensam os Autores. São pessoas com direitos e deveres, cujas personalidades se devem forjar desde a adolescência em meio a iguais, no convívio social formador da cidadania. Aos pais cabem, sim, as obrigações de manter e educar os filhos consoante a Constituição e as leis do País, asseguradoras do direito do menor à escola…”, foi o que salientaram.

Na prática elevaram o direito dos filhos à escolarização e rebaixaram o direito de aprender. Perceba que a diferença entre ambos estava evidente no caso julgado. Crianças que nunca haviam frequentado a escola mas apresentavam níveis elevados de aprendizagem, foram sentenciadas a frequentar bancos escolares, e porque qual motivo? Porque a lei lhes “impunha” este direito e aos pais este “dever”.

Perdoem-me, mas isto é muito difícil de compreender, porque o que mais se via naquele momento e o que infelizmente ainda é nossa realidade é que escolarização não é sinônimo de educação ou de obtenção de conhecimento, seja porque as condições ofertadas não o admitem, ou simplesmente porque a escola não é e nunca foi o único local ou único instrumento capaz de provê-lo, pois há outros métodos comprovadamente eficientes, sendo um deles a Educação Domiciliar.

Esta afirmação sobre a quem pertencem os filhos não ficou sem resposta. O ministro Domingos Franciulli Netto, acompanhado em seu voto por Paulo Medina,  rebateu magistralmente esta alegação em seu voto favorável à família: “É certo que as crianças não são nem dos pais e nem do Estado. Menos verdade não é que, antes do Estado, pertence aos pais a responsabilidade para proporcionar educação a seus filhos e… que o Estado não é soberano sobre a família, porque a família precedeu o próprio Estado e lhe preexistiu, como instituição de natureza definida e como célula mater da sociedade (e não célula mártir)….Ora, se os pais se mostram capazes de garantir educação de qualidade aos seus filhos, não há motivo ontológico e teleológico suficiente para a interferência do Estado em detrimento do direito natural da família. Ao Estado cabe um poder coordenador; não determinador ou impositor.”

Espera-se que agora, passados mais de dezesseis anos, e desta vez no Supremo Tribunal Federal, o que significa que a decisão valerá para todos os demais casos, o julgamento do recurso apresentado pela família Dias de Canela/RS, tenha um resultado diferente, que seja declarada a constitucionalidade do homeschooling, em respeito à soberania das famílias, e corrigindo uma decisão equivocada que jamais deveria ter existido.

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