Professor Mario Antônio Sanches e seu novo livro, "Bioética e Reprodução Assistida - Metaparentalidade" (foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo| Foto:

Na Gazeta do Povo deste sábado foi publicada um trecho da entrevista que fiz com o doutor em Bioética Mario Antonio Sanches, um dos palestrantes do Seminário Arquidiocesano de Valorização e Promoção da Vida, que ocorre neste domingo, na PUCPR. Confiram abaixo a íntegra do texto:

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Dilemas éticos da reprodução assistida

Doutor em Bioética lança livro sobre as consequências da fertilização artificial na experiência da paternidade

As mudanças na experiência da paternidade causadas pelas técnicas de reprodução assistida são o foco do último livro do professor Mario Antônio Sanches, teólogo, doutor em Bioética, e coordenador do mestrado em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Sanches adiantou à Gazeta do Povo um pouco do que dirá na palestra de lançamento da obra “Reprodução Assistida e Bioética – Metaparentalidade” que ocorre neste domingo, às 8h, durante Seminário Arquidiocesano de Valorização e Promoção da Vida, na PUCPR.

O que é “metaparentalidade” ?

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É um neologismo que mostra como a parentalidade, que é o ser pai e mãe naturalmente, é transformada na reprodução assistida. A parentalidade natural é um tanto aleatória e começa na intimidade do casal. Na reprodução assistida ela ocorre no consultório médico, no laboratório e vira assunto de profissionais. Não envolve apenas o casal, agora entra o psicólogo, o juiz, o advogado, o embriólogo, o farmacêutico. O problema é que em meio a tudo isso, ocorrem alguns atropelos, porque os casais que buscam essa alternativa nem sempre tomam a decisão de forma totalmente livre e consciente do processo.

Que tipo de pressão há sobre quem busca essa alternativa ?

Às vezes o casal nem quer filhos tanto assim, e é a família que insiste para que tenham. Outras vezes um cônjuge está disposto a fazer tudo e pagar qualquer preço, mas o outro prefere definir limites. Mas há também uma enorme influência econômica que vê esses casais apenas como clientes em potencial.

Como julgar eticamente essa nova realidade ?

Acho que a ética da reprodução assistida deve partir do princípio de que o pacote de técnicas que estão disponíveis não devem atropelar o meu projeto de vida. Se não a gente inverte a ordem das coisas. As pessoas acabam desenhando um projeto de vida a partir daquilo que a técnica oferece. Você não faz uma cirurgia cardíaca só porque está disponível, por exemplo. A técnica é um apoio, não pode ser o ponto de partida.

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Há abusos nessa área ?

No campo da reprodução assistida há muita gente lucrando. Claro que há clínicas sérias, que pedem acompanhamento psicológico antes da tomada de decisão sobre o tratamento, mas há outras que iniciam o tratamento no dia seguinte ao pedido, mesmo que o casal não conheça todas as consequências do processo. Um exemplo é a possibilidade de sobra de embriões fertilizados, que ficarão no laboratório. E se o casal alegar motivos de consciência para não aceitar essa possibilidade ? Eles precisam saber desse risco. É aí que você percebe que a economia está atropelando os projetos de vida das pessoas.
Eu fiz uma pesquisa na Espanha e lá há um relatório da Sociedade Espanhola de Fertilidade no qual é mostrado que a cada bebê que nasce por reprodução assistida são fertilizados 14 embriões, em média. Será que os casais que buscam essa alternativa sabem o que ocorre com os outros ?

No ano passado ficou famoso o caso de uma menina brasileira que foi selecionada geneticamente para ser compatível com a irmã, que sofria de uma doença rara e precisava de células saudáveis que viriam do bebê. A Bioética tem refletido sobre casos como esse ?

É o tipo de caso no qual nós temos muitas questões complexas. A questão moral mais grave é que se produzem vários embriões. Então é feito um PGD (Diagnóstico Genético Pré-Implantacional) para identificar qual é o embrião compatível com aquela criança que eu quero salvar, e os que não são compatíveis são descartados. O problema começa por aí.

Depois nós já entramos em outro problema, e isso vai além da reflexão cristã. A filosofia kantiana já diz que cada ser humano deve ser visto como um fim em si mesmo. É a questão da autonomia, ninguém pode ser manipulado. Então, se eu produzo um embrião para tirar células e salvar terceiros, esse que está nascendo está sendo instrumentalizado. E aí ocorre aquele problema mostrado em alguns filmes no qual chega um ponto em que a criança gerada diz “não quero mais”.

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Imagine o que é para uma criança saber que a mãe só o planejou para que fosse um instrumento para salvar o outro filho. Percebe quantos problemas psicológicos surgem desse processo ? Chega um ponto em que a criança não quer ser mais instrumentalizada. A criança acaba correndo um enorme risco de não ser amada por si mesma.

A gente compreende a dor dos pais que tem um bebê de 3 ou 4 anos e vai morrer. No desespero cria-se uma terapia que, na verdade, gera outro problema. É a pressa, o desepero. Claro que esses casais não podem ser condenados, mas percebe-se que se cometeu um exagero.

O senhor também é teólogo e o evento do qual participará pretende apresentar o que a Igreja tem a dizer sobre o tema. A posição católica sobre aborto e células-tronco embrionárias é bem conhecida, mas questão de reprodução assistida me parece menos comentada. O que a Igreja diz a respeito ?

Temos dois documentos da Igreja que abordaram a problemática. Um deles é chamado Donum Vitae, que é de 1987, e outro de 2008 que é o Dignitas Personae.

A Igreja defende a perfeita união entre o ato conjugal e a reprodução, chamados de ato unitivo e ato procriativo. Essa é o contexto de reprodução ideal para Igreja Católica, portanto ela não aconselha nenhuma reprodução que quebre essa unidade. E a Igreja entende que a reprodução assistida quebra essa unidade, porque a reprodução não ocorreu pelo ato sexual. Os gametas foram retirados do marido e da mulher e, pela fertilização in vitro, foram fertilizados fora do corpo. Essa prática não é aceita, mesmo que seja homóloga, e que os gametas venham do próprio casal.

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Entretanto, os próprios documentos fazem uma gradação, mostram que há problemas mais graves do que outros. O fato da fertilização se dar fora do corpo já não é aceitável, mas o problema é mais grave quando os gametas são de terceiros . Nessa situação a Igreja fala da quebra da unidade genética do casal. Isso ocorre, por exemplo, quando a mulher é fertilizada pelo sêmen que veio de um banco de sêmen, e não do seu cônjuge.

Depois, a Igreja alerta sobre a possibilidade de colocar o embrião em risco de vida. Ela defende a dignidade do embrião humano, e essa dignidade trás uma problemática maior, porque o descarte de embriões é muito próximo da questão moral do aborto.

Outro exemplo é, como citamos, a seleção embrionária, que descarta embriões considerados incompatíveis geneticamente. Então o posicionamento da Igreja vai tendo nuances mais ou menos severos. Como tudo em bioética, a Igreja recomenda que se dê muita atenção às particularidades de cada caso.

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