Mesa de convidados na audiência pública (Foto: Dálie Felberg/Alep)
Mesa de convidados na audiência pública (Foto: Dálie Felberg/Alep)| Foto:

O Paraná pode ter o seu Dia Estadual de Conscientização contra o Aborto. Um projeto de lei, já aprovado em primeiro turno, foi o assunto de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do estado, nesta quarta-feira (09/05).

O Blog da Vida, evidentemente, apoia a iniciativa e torce pela aprovação final, mas faz uma ressalva. O texto do projeto não diz quem vai “promover palestras, seminários, campanhas, mobilizações e outras atividades”, e isso é um problema. Subentende-se que é o estado, mas assim, formulada em termos genéricos, sem especificações, pode acabar sobrando para quem não quer e nem se identifica com essa responsabilidade, e então essas campanhas podem nunca existir de fato, ou, pior, podem ser tomadas por quem tem interesse em distorcê-las.

O Brasil está repleto de leis muito parecidas que só serviram para dar popularidade aos autores do texto em ano eleitoral. Espero não ser o caso dessa vez, mas de todas as iniciativas parecidas que conheço, as únicas que prosperaram foram aquelas em que essas campanhas são promovidas por meio de parcerias envolvendo o estado e entidades dedicadas a essa causa específica (luta contra o aborto), como é o de Goiânia, onde é a ONG Brasil Sem Aborto que visita escolas públicas para conscientizar os alunos sobre o tema. Simplesmente colocar no papel que “deve-se fazer” é fácil demais.

Para se inspirar, os interessados na iniciativa podem ler aqui algumas ações pró-vida criadas por lei e adotadas em vários municípios.

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O Sempre Família enviou o repórter Felipe Koller para acompanhar a audiência. Confiram o relato de como foi:

 

A Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP) realizou nesta quarta-feira (09/05) uma audiência pública sobre projeto de lei 303/2017, que visa à criação do Dia Estadual de Conscientização contra o Aborto. O resultado, porém, não foi muito além do bate-boca: embora alguns membros da mesa tenham se empenhado em discutir o projeto em si, a plateia e parte dos debatedores preferiram fazer do momento uma reprodução em menor escala das disputas acaloradas sobre a legalização do aborto que volta e meia tumultuam o Congresso Nacional.

O projeto, de autoria do deputado estadual Cobra Repórter (PSD), prevê que o dia 15 de maio de cada ano seja dedicado à realização de palestras, campanhas e mobilizações que sensibilizem a população sobre o direito do nascituro à vida e as implicações do aborto. A data coincide com o Dia Internacional da Família. O projeto foi votado em 1º turno na ALEP há um mês, sendo aprovado por 36 votos a zero, mas o próprio Cobra retirou-o de pauta por dez sessões após críticas da Defensoria Pública e de movimentos feministas. Para debater o tema, o deputado convocou então a audiência pública.

Ao microfone, o deputado estadual Cobra Repórter (PSC), autor da lei. À sua direita, o deputado estadual Evandro Araújo (PSC), ligado à Renovação Carismática Católica (RCC). Ao microfone, o deputado estadual Cobra Repórter (PSC), autor da lei. À sua direita, o deputado estadual Evandro Araújo (PSC), ligado à Renovação Carismática Católica (RCC).

A plateia, composta por cerca de 200 pessoas, lotou o Plenarinho da ALEP e estava bem repartida entre grupos contrários e favoráveis ao projeto. A questão, como costuma acontecer, polarizou-se entre grupos religiosos e feministas, que se atacaram mutuamente durante a audiência. Enquanto o próprio Cobra, ao abrir a sessão, se disse preocupado com o tema “como deputado e como religioso”, o arcebispo de Curitiba, dom José Antônio Peruzzo – o primeiro a ser dada a palavra –, fez questão de ressaltar que não estava utilizando argumentos religiosos, mas antropológicos, para apoiar o projeto.

“O Estado é laico e é bom que assim o seja”, defendeu o arcebispo. “Todavia, Estado laico não é Estado laicista”. Peruzzo defendeu que o interesse dos eleitores cristãos deve ser defendido por deputados eleitos por essa parcela da população. Além disso, ele destacou o trabalho de instituições como a Casa Pró-Vida Mãe Imaculada, que ao acompanhar gestantes em situações de vulnerabilidade, já salvou a vida de mais de 250 bebês. “Que biologicamente o embrião seja vida human, ninguém discute, mas multiplicam-se os argumentos sobre quando a vida biológica se torna vida pessoal”, disse o arcebispo. “Mas não podemos partir de posições fragmentárias para não fragmentarmos a vida. Por isso, defendemos a vida”.

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Os deputados Gilson de Souza e Mara Lima, respectivamente líderes da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família e da Frente Parlamentar Evangélica, também defenderam o projeto. Mara é também presidente da Comissão de Direitos e Defesa da Mulher da ALEP. Gilson defendeu que “um dia pode fazer a diferença, mudar a mentalidade de uma pessoa e salvar uma vida”.

Já o ginecologista e obstetra Rosires Pereira de Andrade disse que a criação da data “é uma ilusão”. Professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Andrade relatou casos de aborto clandestino que já atendeu, como o de uma mulher que havia martelado a própria barriga após uma gravidez resultante de estupro. “Uma mulher, quando quer abortar, não há religião que segure. Se ela não quer a gravidez, ela se suicida”, disse o professor, que sugeriu que se propusesse no lugar da data um Dia da Conscientização sobre o Planejamento Familiar, segundo iniciativa do ex-deputado estadual Valdir Rossoni (PSDB). “O aborto se combate com planejamento familiar, feito com métodos modernos, e é nisso que a Igreja peca”, afirmou Andrade.

Eliana Tavares Paes Lopes, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado do Paraná, limitou-se a fazer referência à nota técnica emitida pelo organismo por ocasião da votação do projeto. Segundo ela, a justificativa do projeto em sua forma atual ultrapassa o escopo de conscientizar sobre a vida do nascituro e acaba entrando no debate sobre a legalidade da prática. “O nascituro tem direitos e precisa ser protegido, mas ao se focar na questão da criminalização do aborto o projeto pode marginalizar ainda mais mulheres já vulnerabilizadas”, disse Eliana. A defensora pública sugeriu que o texto do projeto evitasse a confusão entre “descriminalização”, “legalização” e “incentivo” e que a nomenclatura da data fosse alterada para “Dia Estadual da Conscientização sobre o Aborto”.

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A socióloga Carmen Regina Ribeiro, vice-presidente da Comissão Estadual dos Direitos da Mulher, também se mostrou preocupada que a data trouxesse “mais estigma, medo e sofrimento” às mulheres que, em situação de vulnerabilidade, recorreram ao aborto. Segundo ela, as mulheres que abortam clandestinamente não buscam ajuda médica com medo de serem denunciadas, pois são os próprios profissionais de saúde que costumam delatar o crime de aborto. “A Igreja precisa, isso sim, nos ajudar a formar meninos e homens para a paternidade responsável”, disse ela, aludindo ao fato de que 5,5 milhões de crianças brasileiras não têm o nome do pai em seus registros.

O deputado estadual Marcio Pacheco (PPL) também se mostrou favorável ao projeto. “Quem pensa diferente que procure um deputado que pensa diferente e proponha um projeto diferente. É assim que funciona”, disse, em resposta às manifestações dos grupos feministas durante a audiência. O deputado Evandro Araújo (PSC), ligado à Renovação Carismática Católica, também defendeu a iniciativa. Questionado sobre a preocupação com a vida das mulheres, ele lembrou que é coautor do projeto de lei que institui o procedimento de notificação compulsória da violência contra a mulher atendida em estabelecimentos e serviços de saúde públicos e privados do estado. Já o deputado Tadeu Veneri (PT) criticou o projeto, em uma fala recheada de chavões como “se os homens engravidassem, o aborto seria legal”.

O padre Edivan Pedro dos Santos, da Arquidiocese de Londrina, a doutora em Tecnologia e Sociedade Cineiva Campoli Paulino Tomo e o professor Hermes Rodrigues Nery, presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, também defenderam o projeto. Cineiva ressaltou o problema da erotização precoce das crianças e a necessidade de iniciativas que revertam essa tendência. Já Nery e o padre Edivan criticaram o ativismo judicial por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) e a influência do lobby internacional pró-aborto no debate do tema.

 

Leia aqui a íntegra do projeto de lei.

 

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