No zigoto humano, já estão definidas todas as características biológicas de um ser humano único e irrepetível.
No zigoto humano, já estão definidas todas as características biológicas de um ser humano único e irrepetível.| Foto: Bigstock

A fecundação é a fusão de um óvulo com um espermatozoide, e a célula resultante chama-se zigoto. No zigoto humano, já estão definidas todas as características biológicas de um ser humano único e irrepetível. Ora, podemos então perguntar: “Um óvulo humano fecundado é (1) um zigoto a caminho de se tornar uma pessoa, ou (2) uma pessoa no estágio de zigoto?”

Essa pergunta é muito temida por todos os grupos internacionais pró-aborto, pois deixa seus apoiadores desnorteados. Não é por menos: afinal, qualquer tentativa de justificar a resposta (1) entra em contradição com o conhecimento mais básico da biologia sobre o desenvolvimento do corpo humano.

Além de o zigoto já conter todas as características biológicas de um ser humano único e irrepetível, como antes mencionado, esta mesma célula tem potencial germinativo. Isto é: tem a capacidade de se desenvolver naturalmente e se tornar um ser humano adulto, caso não sofra impedimentos por decisão humana, até sua morte natural.

O mesmo potencial germinativo não está presente no óvulo ou no espermatozoide quando separados, ou em qualquer outra célula do corpo. O zigoto é, assim, a primeira célula de um novo organismo humano. Não estamos falando de um zigoto a caminho de ser pessoa, mas sim de uma pessoa no estágio de zigoto, assim como uma pessoa no estágio de idoso, no estágio de adulto, no estágio de adolescente, no estágio de criança, no estágio de recém-nascido, no estágio de feto, ou no estágio de embrião.

Posto isso, podemos nos perguntar: a capacidade do zigoto para se desenvolver até o estágio adulto já não deveria ser relevante o bastante para proteger esta primeira célula humana contra tentativas de impedir sua natural continuidade fisiológica?

Não se trata aqui de impor uma convenção particular para o início da vida humana. Trata-se, muito pelo contrário, de educar na realidade objetiva das coisas, afastando qualquer pretensão de definir o início de um novo indivíduo por meio de um acordo passível de mudar a cada local e a cada época.

De fato, para quem defende a legalização do aborto, a condição de “ser humano” é uma convenção que os já nascidos podem, a seu critério, aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram. Nos países onde o aborto é legalizado – e mesmo onde ele não é – quem decide se o zigoto pertence ou não à humanidade é um presumido consenso social de cada país, em vez da origem da individualidade de cada pessoa, que está na fecundação.

Porém, se a dignidade da pessoa humana é uma convenção social, nada impede que uma convenção posterior revogue a anterior, eventualmente negando a humanidade de qualquer não-nascido, de aleijados, de não-batizados, de judeus, de ateus, ou de quem quer que, segundo os caprichos do momento, pareça inconveniente.

Quando a racionalidade é rejeitada, disse o filósofo Bernard Williams [1], passa-se à empreitada de querer justificar – a qualquer custo – uma definição improvisada para o início da vida humana, abrindo a caixa de pandora para as mais excêntricas arbitrariedades. Realmente, conforme uma lei aprovada em janeiro de 2019 no estado norte-americano de Nova York, um bebê de nove meses que ainda não nasceu pode agora ser legalmente despedaçado com um fórceps dentro do ventre da mãe, pelo simples fato de ainda não ter respirado ar.

Há quem diga que o aborto é um problema de saúde pública. De certo modo, não podemos considerar isso um erro; afinal, não pode existir saúde ao se permitir procedimentos que ignoram completamente o conhecimento mais básico da Biologia humana. Não pode existir saúde ao conceder à mulher o direito de impedir o desenvolvimento natural de um ser humano único e irrepetível, pelo simples fato dele ser julgado inconveniente (aliás, a justificativa de qualquer assassinato). Sinal algum de saúde. É, sim, o ápice da covardia e da mais completa insanidade. Por não ser vista ou conhecida, a pessoa não nascida pode ser considerada hoje o ser humano mais excluído e perversamente discriminado do mundo. Inventam um critério qualquer para o início da vida humana… e pronto! Você já foi contaminado. Por esta perspectiva, da loucura, realmente é um problema de saúde pública.

Assim, os “direitos individuais da mulher”, reivindicados em última instância para a legalização do aborto, se revelam como um esforço para que seja legalmente permitido ignorar a realidade de como cada ser humano tem origem, concedendo à mulher o direito de impedir o desenvolvimento natural daquele indivíduo em seu ventre, se ela julgá-lo inoportuno. Pode, porém, o início da vida humana ser relativizado? Pode a interrupção voluntária do seu desenvolvimento ser atribuída a uma decisão individual?

A justiça não é feita apenas de preferências particulares. No mundo infantil, das fantasias, as coisas são “para mim”; mas, no mundo real, as coisas são de fato, ainda que não queiramos, ainda que nos soe difícil, ainda que pareça duro. Porém, se continuarmos tratando a realidade como “fenômenos” criados pela consciência, onde todas as opiniões são sempre válidas e o engano não existe, ora, para que serve o debate honesto e respeitoso? Para que serve a Ciência? Para que serve a Educação? Para que serve a Lei?

Como disse o escritor colombiano Nicolás Gómez Dávila: “costuma-se pregar direitos para poder violar deveres”. As leis não servem apenas para nos ajudar a atingir finalidades pessoais, nem tem como função tornar algo permitido pelo simples fato de já ser praticado. Se assim fosse, beber ao volante deveria ser uma prática legalmente admissível e regulamentada. A função primordial da lei é pedagógica: definem-se condutas que convém e não convém para uma sociedade pacífica e virtuosa, com um caráter educativo.

Em outras palavras, se eu não posso fazer algo, devo buscar compreender o motivo da restrição e, apenas então, julgar se este motivo é justo ou injusto, bom ou mau. E é muito simples, baseado no filósofo Kant [2], diferenciar uma atitude boa de uma má, sem depender de qualquer lei ou princípio religioso. Funciona por meio de uma pergunta (outra, aliás, detestada pelos grupos abortistas): se todas as pessoas do mundo, sem exceções, fizerem aquilo, a humanidade cresce e prospera, em paz e felicidade? Se a resposta for não, então é má.

"O certo é certo, mesmo que ninguém o faça. O errado é errado, mesmo que todos se enganem sobre ele". (G. K. Chesterton)

Este texto contou com a revisão técnica dos seguintes profissionais: Dra. Dieine Maria Soares da Fontoura (Biomédica); Dr. Felipe Moraes (Médico); Dr. Luiz Eduardo Schmidt (Advogado); Dra. Angela Vidal Gandra Martins (Doutora em Filosofia do Direito).
Referências:
[1] Angela Vidal Gandra Martins – Dar a cada um a vida que lhe é devida
[2] Imperativo categórico – Immanuel Kant. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 1785

* Marco Lovato é membro da Equipe de Catequese de Adultos da Arquidiocese de Porto Alegre

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