#Resenha: Silêncio
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O Prósopon publica aqui uma resenha de um autor convidado, Felipe Koller, do blog Acreditamos no Amor.

Silêncio
Shusaku Endo
Planeta, 2017. 210 p.

Quando a defesa da fé entra em conflito com a defesa da vida humana, qual é a saída? Essa é a encruzilhada que está no centro de Silêncio, a obra de 1966 de Shusaku Endo que acabou de chegar aos cinemas como um projeto pessoal do diretor Martin Scorsese e ganhou uma nova edição pelo selo Tusquets Editores, da Editora Planeta, com prefácio do cineasta.

A história acompanha, no século XVII, o padre Sebastião Rodrigues, um jesuíta português que chega ao Japão acompanhado de seu colega Francisco Garpe. Depois de ter se expandido de forma veloz pelo país, a fé cristã agora era perseguida pelas autoridades e precisava ser pregada e praticada clandestinamente. Entre as preocupações do apostolado, outra questão incomodava os dois religiosos: o boato de que o padre Cristóvão Ferreira, que tinha sido seu professor na Europa, havia renegado a fé ao ser torturado pelas autoridades japonesas.

Diante do martírio de multidões de japoneses – com técnicas cruéis como a morte por exaustão quando o condenado era preso a uma estaca à beira-mar, à mercê do movimento da maré – Rodrigues, já longe de Garpe, começa a se perguntar: por que Deus permite tanto sofrimento? Por que – e daí vem o título do livro – permanece em silêncio?

Logo as autoridades do Japão se deram conta que não valia a pena martirizar os cristãos – tinham entendido, como Tertuliano no século II, que “o sangue dos mártires é semente de novos cristãos”. O melhor era fazê-los apostatar, renunciar à fé, principalmente os padres. Para isso, desenvolveram um procedimento chamado e-fumi, que consistia em pedir que o cristão pisasse em uma placa – chamada fumi-e – contendo uma efígie de Cristo ou de Maria.

Muito astutas, as autoridades também perceberam que teriam mais êxito se fizesse a fé dos padres se voltar contra si mesma – e em vez de penalizar a perseverança na fé com o martírio, passaram a chantagear os padres a apostatarem ao ameaçar torturar e matar grupos de cristãos. “Disseram-me que, no cristianismo, a misericórdia é o mais importante e que Deus é a própria Misericórdia”, questiona, sagaz, um inquisidor japonês ao padre Rodrigues.

Rodrigues se confronta com uma dura situação: havia chegado ao Japão para sacrificar a vida pelos cristãos daquele país. Agora, porém, são eles que estão se sacrificando pela fé trazida por Rodrigues e seus confrades. Quando se impõe ao padre a condição de que, se ele pisar na fumi-e, um grupo de cristãos se salvará ileso, a reviravolta narrada por Endo é impressionante – e revela o verdadeiro rosto do Deus que a fé cristã professa.

Deus, enfim, não se cala. A verdadeira questão é: onde é que podemos ouvir a sua voz? Quando a resposta a essa questão começa a se esclarecer, a pergunta do início do texto deixa de fazer sentido: não há oposição entre a defesa da fé e a defesa do homem; a fé cristã é precisamente fé na dignidade de cada pessoa, amada apaixonadamente por um Deus cujo rosto é Misericórdia.

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