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Um dos vexames dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro foi o caso envolvendo Ryan Lochte e outros três nadadores americanos que foram pegos mentindo ao denunciar um assalto a mão armada em uma noite em que saíram para celebrar as medalhas conquistadas. A polícia brasileira contestou a versão dos atletas e os acusou de terem cometido vandalismo em um posto de gasolina. Detectar a mentira dos nadadores foi fundamental na investigação do caso. Mas como a mentira pode ser descoberta? A BBC conversou sobre isso com o tenente Joe Kenda, veterano do Departamento de Polícia de Colorado Springs, no oeste dos Estados Unidos, especialista em detectar mentiras.

Kenda agora participa do programa “Caçador de Homicídios”, no canal Investigation Discovery, nos Estados Unidos. Quando era policial, seu departamento tinha a maior taxa de resolução de casos de todo o país. “Como policial, não confio nem acredito em ninguém”, diz, sem rodeios. “O comportamento humano é muito previsível, e, se você me conta algo fora do comum, isso chama atenção. ‘Por que você fez isso? Não conheço outra pessoa que teria feito isso neste caso, mas você disse que o fez. Por quê?’”

“Quando as pessoas mentem, tendem a não ser muito boas em fazer isso”, destaca Kenda, na entrevista. “Deveriam ao menos ter a decência de serem boas mentirosas. A maioria não é”. Para explicar o seu método, o tenente usa o caso dos nadadores americanos para criar um diálogo imaginário:

– Fui roubado. Um homem apontou uma arma para mim…

– Ok, ok. Onde você estava quando tudo aconteceu?

– Estávamos em um posto de gasolina.

– Às 4h da manhã, vocês pararam em um posto de gasolina. Por quê?

– Para usar o banheiro.

– Então, vocês foram ao banheiro…

– Sim, e um sujeito apareceu…

– Espera, espera. Vocês entraram no banheiro. Aconteceu alguma coisa nesta hora?

– Quê?

– Falaram com algum funcionário? Houve algum desentendimento?

– Ah… Não! Nada disso…

Nesse momento, o interrogador percebe que tocou num ponto sensível. “Por que será que ele não quer falar de algo que aconteceu no banheiro, mas do resto das coisas, sim?” Quando alguém chega com um relato ou denúncia, Kenda faz questão de repassar tudo ponto a ponto. Kenda lembra do detetive Columbo, interpretado por Peter Falk na célebre série dos anos setenta, que costumava fazer perguntas aparentemente inócuas aos suspeitos. A suposta vítima sempre quer ressaltar o fato central do relato, mas o detetive deve explorar o entorno, os detalhes menores. As pessoas podem não se lembrar de tudo que disseram quando o relato é uma invenção, argumenta Kenda.

A análise também deve ir além das palavras e envolver uma leitura do comportamento do indivíduo. “Se em algum momento da conversa, você levanta a voz, fica na defensiva ou é evasivo, é provável que seja um mentiroso”, aposta o tenente. Quando alguém mente e sabe que está fazendo isso, há sinais que o delatam. Esse é o trabalho em que o detetive se especializa, bem como um jogador de pôquer.

Como esse jogo de cartas se baseia em quem consegue enganar melhor o adversário, os bons jogadores são especialistas em detectar os sinais corporais dos rivais para extrair informação sobre as cartas que escondem: uma piscadela, uma pulsação quase imperceptível da carótida, um lance fugaz com o olhar. Os detetives fazem o mesmo em um interrogatório.

“Onde estão seus olhos? Você mantém contato visual? Está nervoso? Fica batendo os pés? Batendo na mesa com os dedos? Fica olhando a porta? Os pés estão firmemente plantados no chão para sair rapidamente assim que possível?”, exemplifica Kenda. Todos esses movimentos corporais ocorrem inconscientemente quando se conta uma mentira ou se tenta enganar alguém.

Naturalmente, há pessoas que são boas em mentir, e, em sua longa carreira, Kenda encontrou uma ou outra. “São sociopatas”, diz ele. “Uma personalidade assim não tem emoções humanas. Não sente amor, nem culpa, nem compaixão”. Assim, é difícil detectar quando mentem. Curiosamente, a única coisa que conseguem manifestar é raiva: “Não me deixe furioso. Se ficar, vou te matar”, explica. É aí que pessoas assim podem se entregar.

Kenda usa seu método não só em seus casos, mas para analisar declarações de políticos e pessoas em posições de poder. Um exemplo foi em 1998, quando o então presidente americano Bill Clinton, envolvido no escândalo com a secretária da Casa Branca Monica Lewinsky, disse diretamente às câmeras de TV: “Não tive relações sexuais com essa mulher”. Para Kenda, os gestos e o tom de voz de Bill Clinton foram suficientes para saber que o então presidente mentia.

Ele diz que a expressão no rosto de Clinton, sua aparente raiva e o tom de repugnância em sua voz eram meticulosamente calculados para que o telespectador sentisse empatia pelo falso sentimento expressado por ele. A primeira coisa que Kenda especulou foi o motivo de Clinton estar tão na defensiva. “Isso me deixou imediatamente intrigado”. Durante a declaração, Clinton levantou uma das sobrancelhas e fez gestos indignados com o dedo. Kenda concluiu que estava fazendo o que todos os culpados fazem: “Acreditam que a melhor defesa é o ataque”.

Mas a mentira teve pernas curtas tanto no caso do ex-presidente como no dos nadadores. Clinton sobreviveu ao julgamento político a que foi submetido no Congresso após o escândalo. Por sua vez, Lochte está vendo sumir seus milionários contratos de patrocínio com marcas internacionais.

 

Com informações de BBC World

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