O meliante
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Oito horas da noite, voltando do trabalho, um homem caído na calçada. Eu continuaria meu caminho, não fosse o homem ter rolado e se deitado ao acostamento, à primeira vista caindo de bêbado. Parei o carro do outro lado da rua e, num primeiro impulso, pensei em prestar-lhe ajuda. Mas e se o homem bêbado fosse um bandido, se fazendo de vítima, para em seguida, roubar a quem lhe presta ajuda? A melhor opção é continuar o caminho rumo à casa. Mas e se o meliante caído for atropelado, no escuro, caído no acostamento, talvez algum motorista não o perceba na hora de estacionar. Ou ainda, se o homem nem meliante for, mas fosse um cidadão qualquer, pego de surpresa por um ataque do coração, precisando de uma ajuda urgente… Diante das muitas hipóteses que, em questão de segundos, me inflaram os pensamentos, parei o carro do outro lado da rua e disse: “hei rapaz, levante daí, ou alguém vai te atropelar…”. O rapaz continuava parado, esticado no acostamento, mas era possível perceber que respirava e se mexia um pouco. Então insisti um pouco mais e com voz mais forte: “levante e vá para a calçada, se não, vou chamar a polícia”. Neste momento eu já percebia que ele estava me escutando e prestando atenção, então dei o golpe final: “se não sair agora do acostamento eu vou chamar a tua mãe e ela virá aqui pegar você”. Neste momento o homem se levantou, saiu do acostamento e se deitou num gramado ao lado. Foi um pouco cômico ver aquela cena. O homem caído precisava de uma “ajuda”, e a caridade lhe chegou, não através de consolo ou de uma “mão amiga”, a caridade lhe chegou por meio de uma repreensão, uma bronca, uma ameaça que lhe devolveu um pouco da realidade, que o fez perceber que, mesmo bêbado, seria uma vergonha incomensurável ter a presença, não apenas da polícia, mas também de sua mãe! A caridade nem sempre chega revestida de afagos e palavras bonitas. A caridade pode chegar com roupagem rústica. O bem deve ser feito a todos, bons ou maus. Mas o gosto do remédio difere de um para o outro. E quanto mais cabeça dura for, mais amargo o remédio há de ser.

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